Desde o dia que você chegou trouxe alegria para nossas vidas. É bom demais acordar com a carinha mais linda do mundo nos saudando com o sorriso banguela mais lindo do mundo.

terça-feira, 15 de março de 2011

Outra homenagem

Os alunos do JT, uma das últimas turmas onde papai deu aulas e por quem ele tinha muito carinho, fizeram uma homenagem a ele, dando seu nome ao DAPSI. Tenho certeza que ele ia adorar saber disso.Ah, e amanhã terá festa com show dOs Barcos no Viela. Tudo a ver com tudo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Carta para quem não pode ler

Querido V.,



Embrulhei o meu soluço no silêncio, e só agora venho lhe dizer. Precisei me lembrar de que poderia ser apenas uma carta boba, e que não há afinal responsabilidade maior do que a saudade. É muito difícil não cair na tristeza da sua partida. Seguimos brincando... Digo seguimos, pois há algo que nos une por aqui. Leguei uma família grande, pedacinhos de você em toda parte. Às vezes me sinto a mais “esquizita” de toda ela, mas sei que esta impressão é falsa. O caminho da autonomia parece mais arriscado sem você. Sempre segui os meus próprios passos e instintos, e o faço de forma mais obstinada desde que te encontrei. Mas antes você estava ali, me atentando sobre os riscos da minha ousadia. Era o lugar para onde eu podia voltar quando tivesse medo, quando a dúvida fosse maior que o entusiasmo, quando as consequências fossem mais graves do que eu supunha. Suas palavras me vêm como pérolas. Preciso resgatar cada sopro da sua sabedoria. Há coisas que só agora consigo escutar. Você me deu irmãos, e eles me sorriem quando quero chorar. Com eles mergulho nos mais profundos colóquios. Você está mais vivo do que nunca, e sua presença é constante em meus dias, textos, pensamentos, criações. Lhe ofereço estas palavras insones, pois minhas lágrimas não honrariam a sua memória. Logo é carnaval, e levaremos um bloco para a rua. Novos rumos finalmente me tomam, frutos das sementes que você plantou. Encerro mais uma monografia, ela é densa e viva, e não houve quem desejasse compartilhar minhas aflições. E não era de um mentor que eu precisava. Queria que soubesse que sigo perseguindo a arte como forma de viver. Que seguirei nos estudos, e talvez não o fizesse se não tivesse conhecido você. Há algo em mim que você conseguiu resgatar, se posso me referir a uma já quase adormecida propriedade intelectual. Que não sei até que ponto conseguirei resistir à academia enquanto máquina de (re)produção do saber. Que a minha busca pelo teatro sem representação apenas se inicia. Que sempre escolho os caminhos mais difíceis. Que sinto falta da sua casa aconchegante e misteriosa. De tomar café com vocês– eu nem gosto tanto de café, gostava mais era das xícaras amarelinhas, das honras da casa. Que ganhei uma gravata que era sua, mas ainda não tive coragem de usar. Que a ópera mágica que você me deu, e que eu quase perco naquela noite de embriaguez, é a trilha das minhas meditações. Que o coletivo peteca foi a experiência estética mais incrível que já vivenciei, e desconfio que não a teríamos alcançado sem você. Que na última vez em que estive em sua casa reparei no seu pé descalço, e ele era proporcional ao seu tamanho. Então me toquei que você era um homem, e não um deus. E precisava ouvir você reclamando da rotina para me lembrar disso. Que poderia ter reparado em outra coisa, se não fosse uma amiga tão estranha. Que te encontro em sonhos, a sua voz e a sua risada. Que no beco tocamos, dançamos, brincamos feito sábado de manhã, e sei que você faz parte desta idéia. Que a cidade deve muito a você. Que é a primeira vez que me sinto órfã. Que os seus conselhos foram os únicos que escutei na vida. Que suas sementes germinam nas mais diferentes formas. Que as caminhadas depois das consultas eram a melhor parte de nossas sessões. Que agradeço à vida pelos encontros casuais que tivemos nas ruas, os almoços, as conversas, o tempo que eu fingia esquecer. Que eu arrumava desculpas e companhias para ir te visitar. E que o fiz menos do que tive vontade, pois queria respeitar o seu lar, era muito bonito de ver. Que ir na sua casa para te mostrar o filme que fizemos era o mínimo que podíamos ter de dado, em nosso último encontro. Que adorava experimentar a minha mão na sua barriga, como uma criança na careca do avô. Que a criança era você. Que liberdade não precisa explicar. Que a única maneira de suportar a saudade é cultivando a alegria entre os nossos. Que quando estou com eles estou com você. Que novos encontros acontecem, pois aprendemos a nos encontrar, estamos vivos. Que a música foi uma dica providencial, ela me salvou dos ruídos do mundo. Que aprendi a tocar samba. Que quero desaprender e produzir sons inaugurais. Que desejo rasgar as partituras, e o farei um dia, prometo. Que a poesia resiste. Que fiquei constrangida por aquele espetáculo que você assistiu, mas que me diverti ao apresentá-lo. Que não podemos nos envergonhar de nossas falhas. Que é preciso assumir o que temos. Que Chaplin nunca mais me deixou. Que conquistei a antipatia de quem me percebia apenas uma secretária. Que não me arrependo das vezes em que te provoquei. Que quando te via sentia vergonha de me dizer já cansada. Que ainda não aprendi a me calar. Que não tenho mais medo das dimensões que a minha sensibilidade pode alcançar. Que estou finalmente cercada de amigos ao lado dos quais posso existir em minha diferença, e ser absolutamente comum. Que aquele texto que você gostou era mais de Artaud do que meu, e eu não sabia como explicar. Que não há remédio contra o que não foi dito ou feito, mas deve haver um jeito de não lamentar. Que todos os dias acordo com o coração saltando do meu peito, como se tomada por uma certa urgência de viver. Que o que sinto é amor, e só por isso não vou fraquejar.



m.

fevereiro/2011


Nota de mãe: Fiote, Morgana é uma pessoa linda! E nesta carta ela consegue mostrar direitinho como papai foi marcante em nossas vidas. Viva Morgana! Viva papai!